terça-feira, 13 de abril de 2010

David Coimbra - Texto: O Homem Superior


Mais um texto do David Coimbra, dessa vez sobre o Tcheco (pra quem me conhece, sabe que sou um grande fã do Tcheco).

Valeuu, abss!!

www.clicesportes.com.br - Blogs: David Coimbra
http://wp.clicrbs.com.br/davidcoimbra/?topo=13,1,1,,,13

Texto:

O homem superior

-
Getúlio Vargas. Flávio apreciava, mesmo, a retórica incandescente do jornalista Carlos Lacerda, alcunhado de “O Corvo”. Então, quando Getúlio desceu do Rio a Porto Alegre para uma visita oficial, Flávio torceu o nariz. E, quando soube que ele e outros estudantes teriam uma audiência com o presidente, não se mostrou envaidecido ou entusiasmado. Não gostava de Getúlio, não acreditava em suas boas intenções.

No dia da audiência, Flávio postou-se diante de Getúlio com o queixo erguido pela arrogância típica da juventude. Levava, no olhar, o brilho cínico dos seus 20 anos e, debaixo do braço, um projeto que, tinha a certeza, revolucionaria a universidade brasileira. Getúlio deu a chamada passada d’olhos no projeto e disse:

— Vamos ver isso com mais calma amanhã.

E marcou nova reunião. No dia seguinte, Flávio Tavares viu-se a sós numa sala com Getúlio Vargas, os dois cara a cara, o maior personagem da história política brasileira e um anônimo estudante de uma universidade do sul do país. Aí deu-se a magia. Getúlio foi tão atencioso, tão paciente, que Flávio saiu da sala flutuando. A partir daquele momento, tratou de aprender mais sobre Getúlio Vargas, e aprendeu, e passou a admirá-lo. Pouco mais de um mês depois, Getúlio sentou-se na beira de sua cama no Palácio do Catete e desferiu um tiro de .32 no próprio peito.

Alguém pode achar que a admiração de Flávio Tavares por Getúlio Vargas foi gerada pelo fascínio que emana do poder. Não creio. Creio que Flávio Tavares reconheceu em Getúlio Vargas algo que ele próprio possui: valores morais.

A maioria dos homens, neste Vale de Lágrimas, move-se por dinheiro, fama ou poder. A grande maioria. Alguns poucos não. Alguns poucos, o que lhes importa é o que carregam na alma, o que acreditam, suas crenças, suas ideias, seus sentimentos. E isso é intangível, e é poderoso.

Se é raro encontrar homens assim na sociedade em geral, no futebol isso é quase impossível. O futebol é, por natureza, uma atividade superficial.

Domingo passado, porém, encontrei uma ave rara no ambiente do futebol. Tcheco foi ao Bate Bola, da TVCOM, e narrou uma história que demonstrou o tipo de figura que ele é. Disse Tcheco, que, quando estava na Arábia, sonhava em voltar ao Grêmio. Não por sentir falta da feijoada do Continental, do chope cremoso do bar do Atílio, das pernas longas das loiras de Porto Alegre ou das manhãs amenas sob os plátanos do Menino Deus, mas só e tão-somente para dar um grande título ao clube.

— Era algo que eu tinha de fazer — disse, e com essa frase disse tudo: ali estava um homem que sentia a necessidade de fazer algo.

No entanto, Tcheco leu em algum lugar que o Grêmio não o queria de volta.

— Aquilo doeu — confessou. — Liguei para o Pelaipe, que nem era mais diretor do Grêmio, e perguntei se era verdade.

Pelaipe, por sua vez, falou com o presidente Odone, que, mais do que depressa, recontratou o jogador.

— Não queria saber de salário, de luvas, de contrato, de nada. Só queria voltar para dar um grande título ao clube — completou Tcheco.

É um jogador desse quilate que ora veste a camisa do Grêmio. Eis um ser humano superior, que não está no mundo apenas pelo que o mundo pode lhe dar, mas pelo que ele pode dar ao mundo. Como deu um Getúlio Vargas, como dá um Flávio Tavares. Passei a acreditar no futuro do Grêmio depois de descobrir quem é Tcheco.

*Texto publicado em ZH em 6 de maio de 2009

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